Curitiba, 29 de Maio de 2011
Por que a nova lei de cultura proposta pelo governo paranaense se mostra antidemocrática? Yiuki Doi
Está em discussão e análise o anteprojeto da lei de incentivo à cultura com a proposição conjunta do Fundo Estadual de Cultura para o Estado do Paraná (PROFICE – Programa de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná). Há tempos muitos dos fazedores da cultura querem uma lei de incentivo à cultura em que não precisem captar e ir atrás das empresas como se fossem pedintes ou se sujeitando aos interesses das mesmas. Assim, essa nova lei seria ótima para que os projetos aprovados NÃO fossem engavetados e esquecidos “porque não têm a ‘cara’ das empresas”. A proposta apresentada pelo atual governo paranaense, em parte, elimina esses problemas, pois a previsão é que tenhamos as duas formas de incentivo à cultura:
Até aí, beleza, deveríamos estar felizes. Porém, a Secretaria do Estado da Cultura do Paraná não quer (ou tem evitado?) que esse FUNDO ESTADUAL DA CULTURA seja gerido democraticamente, que o povo junto ao governo possa decidir as necessidades da cultura para o Estado. Para que isso fosse possível, seria necessário um Conselho Estadual da Cultura do Paraná (deliberativo, consultivo e paritário) e CONFERÊNCIAS DE CULTURA. Infelizmente, o Paraná é um dos três Estados brasileiros que ainda não possui Conselho Estadual de Cultura.
Agora, vamos fazer uma análise do contexto nacional. O Governo Federal, desde 2005, ouviu os brasileiros e levantou as necessidades culturais do país por meio de conferências culturais municipais, estaduais e nacionais. Em uma das etapas finais, na II Conferência Nacional de Cultura realizada em março de 2010, a prioridade mais votada foi a IMPLANTAÇÃO DO SISTEMA NACIONAL DE CULTURA (veja no site do MinC a respeito desse assunto clicando AQUI). A partir dessas pesquisas, o Ministério da Cultura começou a implantar o Sistema Nacional de Cultura (SNC), que é uma forma democrática de administração cultural com a parceria da comunidade junto ao setor público.
O SNC é uma LEI FEDERAL (PEC 416/2005) que amarra os três elementos principais da cultura, criando um funcionamento sistêmico administrativo que beneficie a todos. Propõe aos estados que criem também:
- o Fundo Estadual da Cultura;
- o Plano Estadual de Cultura;
- e o Conselho Estadual de Política Cultural.
Contudo, o Governo do Estado do Paraná NÃO ASSINOU o Acordo de Cooperação Federativo ao Sistema Nacional de Cultura. Por que ele não se dedica a fazer isso? Será que a assinatura desse acordo implica dar voz às comunidades artísticas e civis no uso e direcionamento dos recursos do Fundo? A política atual do governo paranaense parece negar essa possibilidade e por isso o nosso estado ainda hoje não possui um Conselho Estadual de Cultura.
Mas este mesmo governo estadual se interessa numa lei que CRIE um FUNDO – afinal quem não precisa de recursos? Então o que ele faz? Está criando um PROGRAMA de lei de incentivo, que é diferente de um SISTEMA ESTADUAL DE CULTURA e que também não contempla um PLANO ESTADUAL DE CULTURA. O programa não leva em questão as necessidades da cultura paranaense a curto, médio e longo prazo, nem valoriza as organizações civis e cidadãos que produzem a cultura de forma diferente da comunidade artística (dança, teatro, artes visuais, literatura, música, áudio visual, circo). Afinal, esse anteprojeto deveria favorecer também a cultura negra, indígena, artesanato, GLBT, folclórica, movimentos da juventude etc. Pois a Constituição Brasileira de 1988 consagrou a cultura no seu termo mais amplo, incluindo “MODOS DE CRIAR, FAZER E VIVER” dos “GRUPOS FORMADORES DA SOCIEDADE BRASILEIRA”.
Quem ler o anteprojeto até pode imaginar que ele contempla democraticamente a população no art. 05, colocando MANIFESTAÇÕES POPULARES e PATRIMÔNIO CULTURAL MATERIAL E IMATERIAL nas categorias de projetos. Mas não podemos nos iludir: de nada adianta incluir essas categorias, se na comissão que fiscaliza, aprova e indica a banca, a participação da representação civil não está descrita separadamente da comunidade artística organizada no art.10. (A representação da sociedade civil no Conselho Municipal de Cultura de Curitiba é mais democrática. Veja aqui como ela funciona para um melhor parâmetro comparativo).
É importante saber que todo FUNDO ESTADUAL necessita legalmente de um comitê que fiscalize e aprove o direcionamento dos recursos. Este comitê deveria ser o Conselho Estadual da Cultura e (ou) de Políticas Culturais, mas para substituí-lo o governo propõe um comitê (art.10) composto de dezessete (17) pessoas, que serão formados por:
- GOVERNO ESTADUAL: Sete (7) representantes escolhidos pelo Secretário da Cultura do Paraná.
- REPRESENTANTE MUNICIPAL: Um (1) representante dos dirigentes municipais de cultura. Um apenas para todo o estado, sendo que a própria Secretária da Cultura do Estado divide o Paraná em dezoito (18) Regionais de Cultura para a questão administrativa.
- COMUNIDADE ARTÍSTICO-CULTURAL: Oito (8) representantes indicados pelas entidades representativas dos agentes culturais (o anteprojeto ainda precisa definir como serão selecionadas as ENTIDADES e AGENTES! Sem definição, permite-se as brechas).
- VOTO DE MINERVA: Secretário da Cultura do Estado.
AGORA, É IMPORTANTE ANALISAR:
Há necessidade de critérios claros que definam como será feita a escolha da representação da comunidade artística e civil da comissão em questão, para que haja processo transparente e com controle da sociedade civil e não se gere uma sensação de que, na prática, o poder ficará apenas nas mãos da secretaria de cultura (confira aqui a orientação do SNC sobre a composição de um Conselho de Cultura).
Outro problema para ficarmos atentos no anteprojeto: é importante inserir normas de partição do FUNDO ESTADUAL para FUNDOS SETORIAIS de cada categoria descrita no artigo 5 (oito categorias: dança, teatro, artes visuais, literatura, música, áudio visual, artes cênicas, manifestações populares e patrimônio cultural material e imaterial). O Sistema Nacional de Cultura prevê que cada “fundo setorial nacional” NÃO poderá ter menos de 10% e mais de 30% do “fundo total” (ver página 15 desse link). Por que será que o Governo Estadual não quer colocar normas de partição do Fundo Estadual? Será porque é mais fácil de administrar a verba do jeito que eles quiserem?
No art. 6 do anteprojeto, consta uma lista de 13 itens com as fontes dos recursos do Fundo Estadual, mostrando que, em parte, o Grupo de Trabalho esteve bem preparado com advogados e contadores. É interessante as pessoas questionarem se o caráter pouco democrático deste anteprojeto, que vai de contramão à política cultural do governo federal, foi somente uma ingenuidade da administração pública do governo estadual.
Para apaziguar os grupos coletivos de cultura insatisfeitos e mostrar um caráter conciliador do atual governo, a Secretaria de Estado da Cultura está promovendo audiências publicas sobre o anteprojeto da lei, que estão acontecendo em 14 cidades do estado do Paraná (começou no dia 03/05/2011 em Curitiba e finalizará no dia 17/06/2011, em Curitiba novamente). Maurício Cruz, coordenador de incentivo cultural da SEEC, alega que o anteprojeto é um “esboço” e que tudo pode ser modificado depois destas audiências.
Nesse contexto, em que foi entregue “apenas um esboço”, é necessário constatar que, desde o princípio da sua concepção, o projeto da lei não apresenta a elaboração atualizada dos interesses da comunidade cultural e/ou artística. Assim, muito da lei DEVE SER REFORMULADA para contemplar mecanismos de controle democrático e social em relação ao uso do Fundo Estadual da Cultura.
Com isso, precisamos ficar atentos e acompanhar nas cidades as reivindicações que nossos outros colegas paranaenses estão fazendo. Precisamos acompanhar para que os investimentos com essas audiências não seja perdido, isso é, sem que HAJA TRANSFORMAÇÕES na proposta desse anteprojeto da lei para a Cultura.
Analisar uma lei não significa exatamente entender o que está escrito, é também COMPREENDER AS BRECHAS que ela pode oferecer. Pois, muitas vezes, elas podem ser colocadas intencionalmente. A partir delas, podemos perceber OS PRINCÍPIOS e os INTERESSES do ATUAL GOVERNO DO ESTADO. A meu ver, este anteprojeto privilegia o governo e uma parcela de produtores e da comunidade artística. É uma lei que legaliza somente a criação e o uso do fundo pelo governo, sem fazer um planejamento cultural para o Paraná, algo muito CONTRÁRIO à proposta de candidatura do governador Beto Richa, que prometeu que o estado do Paraná integraria o SISTEMA NACIONAL DE CULTURA. (Veja a proposta do governador clicando AQUI). Fico a indagar por que o atual Secretário do Estado da Cultura do Paraná, Paulino Viapiana, não segue (ou agiliza?) as promessas da campanha eleitoral do governador.
Acredito que debaixo do sol existe espaço para todos. Sou bailarino de uma companhia de dança profissional, mas ao mesmo tempo não quero esse anteprojeto; quero o Sistema Estadual de Cultura no Paraná, que possui PRINCÍPIOS e ESTRUTURAS CLARAS que o tornam justo para todos (civis, artistas, produtores, grupos de cultura popular, órgãos públicos e privados, patrimônio material e imaterial etc.). Contudo, para que isso seja possível, precisamos pressionar o atual governo, dizer a eles que não podem fazer o que quiserem com o Fundo Estadual da Cultura, que é oriundo dos impostos pagos pelo cidadão paranaense.
Assim, pela conjuntura, se o atual governo tivesse boa vontade, já estaríamos com o Conselho Estadual de Cultura e o Sistema Estadual de Cultura encaminhados - ou até mesmo implantados. Mas eles parecem não estar interessados, tanto é que nem citam a palavra “Sistema Estadual de Cultura” e “Conselho Estadual de Cultura” em nenhuma parte desse anteprojeto chamado PROFICE. O fato é que nada os impede de inserir e atrelar essas palavras dentro dessa nova lei proposta; eles não fizeram porque simplesmente não quiseram. Percebo então que nos resta agora somente a MANIFESTAÇÃO CIVIL em defesa do DIREITOS CULTURAIS do cidadão.
No dia 17 de junho de 2011 haverá a última Audiência Pública em Curitiba sobre essa proposta de lei de incentivo à cultura, e eu gostaria que houvesse muitas pessoas se manifestando pela falta de democracia do atual governo do Estado do Paraná. Espero que isso possa acontecer.
Bom, é isso. "Somos responsáveis por aquilo que fazemos, pelo que não fazemos e pelo que impedimos de fazer", disse Albert Camus. Salve a cultura!
Att.
YIUKI DOI, membro do Conselho Municipal da Cultura de Curitiba, integrante do Fórum de Dança de Curitiba e bailarino da desCompanhia de dança.
P.S.1: 30% da verba do Fundo Nacional de Cultura será dirigida para os Fundos Estaduais e Municipais no Brasil inteiro. Se a nova LEI ESTADUAL DO PARANÁ não aderir aos requisitos do SNC, o cidadão paranaense não receberá essa verba federal.
P.S.2: Quem quiser saber detalhadamente sobre SNC, nesse link AQUI existem dois manuais práticos do MinC para tirar as dúvidas no âmbito municipal e estadual.
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